Trabalho escravo no Brasil: 82% das vítimas resgatadas são negras

Dados da Campanha Nacional Permanente da Comissão Pastoral da Terra (CPT), “De Olho Aberto para Não Virar Escravo”, revelam que 82% das pessoas resgatadas do trabalho escravo no Brasil entre 2016 e 2023 são pretas ou pardas.

Tal dado reforça como a herança escravocrata e as desigualdades estruturais ainda impactam a população negra no Brasil.

Em 2023, quase 3.500 pessoas foram encontradas em situação de trabalho escravo, sendo 3.288 resgatadas em operações coordenadas pelo Ministério do Trabalho. Desde o início do monitoramento, em 1995, mais de 12 mil pessoas foram resgatadas, com destaque para os setores de pecuária, lavouras e carvoarias, que concentram o maior número de casos.

Números e perfil das vítimas

A pecuária, em particular, registra 2.115 casos acumulados, seguida pelas lavouras (910 casos) e carvoarias (501 casos). Nos últimos dez anos, as lavouras ultrapassaram a pecuária como o setor com mais ocorrências de trabalho escravo.  

Trabalhadores negros, nordestinos e com baixa escolaridade formam a maioria dos resgatados. Mais de 34% das vítimas nos últimos dez anos não concluíram o 5º ano do ensino fundamental, e a faixa etária mais afetada é a de homens jovens, entre 18 e 24 anos.

Além disso, 53% dos resgatados são oriundos da região Nordeste, região historicamente marcada por desigualdades econômicas.

Quando analisado o recorte racial, os dados são ainda mais contundentes: 82% das vítimas são negras, sendo 65,8% pardas e 16,8% pretas. Este cenário reflete o racismo estrutural que ainda permeia o Brasil.

De acordo com Cecília Amália Cunha Santos, procuradora do Ministério Público do Trabalho (MPT) em Araguaína (TO), a persistência do trabalho escravo está diretamente relacionada à colonialidade presente nas relações sociais brasileiras.

“A ideia de que pessoas negras não são dotadas de dignidade ainda está entranhada nas elites. Isso, somado à histórica falta de acesso a direitos básicos, coloca essa população em situações de vulnerabilidade extrema, expondo-as ao trabalho escravo”, afirma a procuradora.

Mulheres negras no trabalho escravo doméstico

Entre as mulheres resgatadas do trabalho escravo, 80% são negras. A maioria dos casos ocorre no ambiente doméstico, onde a questão racial se soma à vulnerabilidade de gênero. Segundo Brígida Rocha, agente pastoral da CPT no Maranhão, muitas mulheres negras resgatadas são idosas, sem acesso à educação ou direitos básicos, vivendo em condições degradantes.

O caso de Sônia Maria de Jesus ilustra essa realidade. Mulher negra e com deficiência auditiva, Sônia foi resgatada em 2023 após passar 40 anos em trabalho escravo doméstico na casa de um desembargador de Santa Catarina. Sem salário, assistência médica ou direitos trabalhistas, ela foi mantida incomunicável desde a infância. Apesar do resgate, Sônia permanece na residência de seus exploradores, evidenciando as falhas do sistema de proteção às vítimas.  


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